A anciã e a criança que habitam em mim

Os manacás me lembram as avós. Quando quero encontrá-las sento ao pé de uma arvorezinha dessas aqui na minha casa, o cantinho sagrado das avós. Cheirar as flores do manacá é receber um abraço bem amoroso da anciã que nos guia, da avó querida. Inevitavelmente reencontramos também, através deste ato afetuoso, a criança interior: que fomos, somos e seremos, guardadinha neste abraço. Onde há a presença das crianças, lá as avós estão. E vice versa. Entre elas, toda uma vida manifestada. São imagens primordiais que carregamos conosco.

De quando em quando a avó que me habita põe a criança que mora em mim em seus braços. Aclara o que não lhe foi explicado e com este ato simples ela própria, a minha vovozinha, fica mais sábia e terna. Ela educa as emoções da minha menina, sara as suas feridas com seus unguentos poderosos e vai me formando uma anciã como ela. “O velho que não pacifica, desgosta-se”, ela me diz, “esquece e escraviza a sua criança, deixa sem respostas as suas perguntas curiosas, a deixa para sempre mergulhada na atmosfera dos pais, do seu primeiro e confuso meio. Suscetível. A ser preenchida”. A avó arquetípica que carregamos, distinta em sua sabedoria, benevolente, oferece orientação. Esclarece com paciência e verdade. Transita entre os mundos e conhece os mistérios do viver. Ela aparta os conflitos da nossa criança ferida.

A criança que fomos um dia não vai embora, espera por nós para ser esclarecida e liberta dos medos e dores naturais da vida que ninguém explica para ela: “mamãe tá com pressa!”, “papai tá ocupado!”, “tenho que trabalhar”, “não foi nada”, “fica quietinha!”… Ela precisa de uma explicação, deseja tornar-se completa e feliz com a vida. Por isso mesmo o encontro da anciã com a criança é sagrado, a avó que não vitimiza mas elucida. Que ama sem ter pena. Um encontro poderoso. As avós e as crianças andam juntas. Libertam nosso peso existencial ao oferecerem novos pontos de vista sobre nossa história. É no abraço entre ambas que o espírito canta, que a fé na vida nos é devolvida.

A criança e a avó, juntas ao pé de manacás, devolvem-nos o amor interior e transmutam a dor em sabedoria, que nasce do conhecimento profundo da própria história, de quem não resistiu revisita-lá sob nenhum aspecto. Elas estão dentro de nós. Juntinhas. Por isso mesmo, a criança que fomos e as nossas avós físicas são tão importantes. Ilustram este lugar arquetípico. Um encontro benigno que preenche e impulsiona a boa vida.
Minha criança não está mais sozinha. Tem uma vovozinha ao lado dela. E ambas em mim.

Por Nara Shakira Surya

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